Será que acontece só comigo? Seja lá como for, fascina. E por isso
comento. Bi, tri ou multilíngüe, a gente fica lendo muita língua
cruzada.
Em tempos de internet, é como que simultâneo.
Pula-se de um artigo na Folha Online ao The New York Times, e já no Der
Spiegel. E a coisa ainda pode se potencializar quando o pensamento vaga
paralelamente em mais outros campos ocupacionais de nossos dia-a-dias.
Aquilo de que qualquer psicólogo nos previne por maléfico a nosso
bem-estar. Porém, seguindo analogia de filósofo não descartável nem
longevo: existe por constatado.
Algumas vezes ocorre descompasso estonteante: lá vão os luzeiros, avançando ao compasso de
anos-luz (300 mil km por segundo – imagine ler o jornal em facção de
segundos!), ao passo que a audição interna, que sustenta a leitura muda,
avança a 343 metros por segundo. Bem, a referência vale para o meio ar a
20 °C. Como em nossa singular cabeça pouco ar há de ter, porém muitos
neurônios aquecidos a 37 °C, deverá ocorrer alguma aceleração de fator a
mim desconhecido, não obstante sem qualquer chance contra a célere
concorrente, tão aspirada particularmente no século XVIII.
Meu
transtorno, pelo visto e pelo que confirmo, não passa de facções ‑ se
bem que delas muitas ‑ de segundos (uma facção seria, provavelmente,
pouco até para a percepção do black-out, desse preto e branco do qual
estou falando).
Quando acontece, acontece quando troco a
marcha, por assim dizer. Quando altero da língua primeira, de uma
leitura profunda, para uma segunda. Paro num inesperado ponto morto. Num
curto-circuito, mágico instante que me desperta e faz estranhar. Quando
as palavras lidas já não fazem sentido e soam enigmáticas: nasais em
inglês, th’s no português. Instantes de desorientação nebulosa, sem
perceptível lei da gravidade, que ao menos me daria uma base inicial,
uma referência para um reposicionamento.
A audição
íntima dá um basta e puxa os luzeiros de volta ao ponto de partida, para
conferência, sincronização e câmbio, para reinterpretação.
Dopado sem droga. Eu acho legal. Pena que é ocasional e não provocável.
Dieter E. Zimmer nasce em 24 de novembro de 1934 em Berlin. É escritor (20 livros na temáticaPsicologia, Biologia, Antropologia, Medicina, Lingüística, ComunicaçãoSocial e Biblioteconomia), tradutor (organizador das obras completas de Vladimir Nabokov) e jornalista. Formou-se emCiências da Literatura e da Linguagem, em Berlin, Genebra e nos EUA. De 1959-1999, foi redator do renomado semanárioalemãoliberal Die Zeit, periódicoiniciadoemfevereiro de 1946, comhojemais de 2,1 milhões de leitores. Zimmer obteve noveprêmios, dentreelesdoisprêmiosportraduções: o prêmio Helmut-M.-Braem, em 1996; o prêmioFundação Heinrich-Maria-Ledig-Rowohlt, em 2008.
Não pude deixar de primeiramenteapresentar ao leitorbrasileiroestegrandejornalistaalemão, ademais tradutor e escritor, de quem ando expondo umcapítulo, pormim seqüenciado, que referencia especificamente o ofício da tradução. Ao perceberque das poucas linhas citadas jorravam parágrafos e páginas, não tive comonãosolicitar o consentimento do autorparadar continuidade a suasobservaçõesaparentementeintemporais.
Responde Dieter Zimmer: „Uma vezque, a meuver, meulivro ‘Redens Arten’ está fora do prelo, voltou a pertencer a mim – assim creio ‑, e portanto posso comtodoprazer conceder-lhe a permissãopara a publicação do capítuloConcurso dos tradutoresemseu blog.”
Agradecemos ao Dr. phil. h.c. (Univ. Técnica de Dresden, 2003) Zimmer pelacortesia. Confira suapágina web: http://www.d-e-zimmer.de/
Concurso de tradutores
A provisória indispensabilidade do human translator
Inícios de 1965, aFreie Akademie der Künste de Hamburg (LivreAcademia das Artes) promoveu umcongressointernacional de tradutores e, neste contexto, umconcurso de tradutores emcooperaçãocom o semanárioDie Zeit. Devia ser traduzida uma prosaimpressionista de Graham Green, aindanãodisponívelemidiomaalemão: The Revenge. A participação foi grande: houve 620 remessas, todas anônimas. Comoredator de umcaderno da “Zeit”, fui parar no júri, decertoporter tido oportunidade de ter alguma experiênciacomo tradutor literário. Não dispunha de teoria da tradução, nemposteriormente a desenvolveria (na prática da tradução, tãopoucoajudaquanto a termodinâmica no preparo de umgrelhado). Traduzira, contudo, autorexigenteque passara a vida circulando entre duas línguas – Vladimir Nabokow. “Quandoum tradutor começa a traduzir o ‘espírito’ emlugar do merosentido de umtexto, jácomeça a trairseuautor”, escrevera Nabokov; aliás, mandara simplesmentedestruir uma traduçãoinsatisfatória (sueca) de sua “Lolita”. Certamentenão pretendera negarqueumaobra compreende tambémalgocomoum “espírito”; quis apenas acautelar-se contra tradutores quegrosseiramente ultrajavam o sentidoliteralemnome de um “espírito” vago e, certamente, nunca apreensível. Emresumo: certaprecisão parecia-me muito desejável; a aspiração da precisão, porém, veio acompanhada da compreensão de que uma tradução pode serprecisaemdiversospatamares, e que a precisão num deles pode ser a imprecisão noutro. Pode, porexemplo, tentarimitar a sonoridade do original, suaressonância, aliteração – desconfigurando e desviando os sentidos das frases. Ou pode reproduzircomgrandeequivalência as estruturas frásicas, alcançando justamente desta maneiraumgrau de fluidez oudificuldadenãopróprio ao original, tornando-se, assim, imprecisa. A boa tradução, assimme parecia, só pode serummeio-termoque trate de ao menosdiminuir as imprecisões dos diversospatamares. Agrega-se a issoqueatépalavras sinônimas de doisidiomasnão costumam sertotal e verdadeiramente equivalentes; e quemesmo as frasesmaissimples podem geralmenteser traduzidas nas mais diversas formas, bemcomo as preposiçõesportrás, queainda no idiomafonte poderiam ter sido expressas de diversas maneiras. Tudoisso havia meconvencido de quequalquertradução pode apenasser aproximativa, infelizmente – e queseucrítico deve, portanto, darum(certo)desconto: não pode aquiloqueelemesmo prefere considerar a tradução “correta” sobremodoser o padrão das coisas.”
Essa venialidade jánão resistiu depois da leitura de 620 traduções de ummesmotexto. (...)
Paraumtextocomo o emquestão – prosamoderna de uma culturafamiliar, que pretende e deve antesser lido pelanarrativa e nãoporespecíficosinteresseslingüistasououtros ‑, parataltexto, afinal o casomaiscomum, espero do tradutor queele reproduza primeiramente o sentidoterminológicocom a maiorprecisãopossível; e, porsegundo, que mantenha o quantopossível(o máximo) daquilo que prefiro denominar de aura de umtexto: cadência, ritmo, patamar estilístico, associações despertadas, cargahistórica de sualinguagem. Creio ser essa a tarefa.
A peçaimpressionista de Graham Green não é lámuitodifícil. A desvantagem: a tradutores realmentebons oferecia poucas possibilidades de comprovarsuashabilidades. A vantagem: nãohavercondições extremas senão as do cotidiano tradutório.
Nãoobstante, veremos quetambém “A vingança” teve os seusbusílis. Não é nadafácilimitar no alemão o parlando da lacônicadicção greeniana, aparentementeleve, relaxada, porém nuançada; a caminho de nossoidioma, tudoissoprontamente adquire o peso de uma esponja encharcada. Ademais, havia armadilhas. Aquela emque a maioria caiu consistiu emseis palavrinhas, umdiálogo: He went into Cables and died.Cables, emmaiúscula: não consta emdicionários. Significava: Ele foi à Cable & Wireless (hojecompanhiapara o trânsitointernacional de telefonia e telégrafos do correiobritânico), e morreu.
Admitido, (;) ninguémprecisasaberisso. Sóque faz parte do serviçocomum do tradutor, resolverquestõesque na verdadenão se sabe nem se pode saber. Ou a gente sabe suprir a lacuna no conhecimento; ou a genteencontraumjeitoelegante de se sair dessa. Quem, portanto, traduz: Ele foi à loja de cabos e faleceu, não está de todocerto, mas ao menos percebeu queCables deve ser alguma firma, de modoquesuasolução se enquadra sempercalços no contexto.
Agora, as contorções de quemnão sabe encontrarsaída: foi pararentrecordames; foi parar numa confusão de cordames, e neles morreu; chegou aos cordeiros; foi a Cables (lugar a seraindafundado, noutros casossimplesmente chamado C., por má consciência); tombou na invasão de Cables. Outroslhe atribuem uma convulsãotropicalou o mandam paraumcampo minado. Enigmático soa: Foi para o Cables (cinemaouzona?) E assim vai indo, até as pitorescas soluções forçadas: Teve azar e se foi; foi pro outrolado: corrente de altatensão; lutou contra os cabilas; foi a Cabul; foi a Cabale, sociedadesecreta difundida particularmente na Malásia; ocupava-se comcontos à la Cable; disse “poh” e se finou. Este é apenasumpequeno recorte.
Bem, creio quejá transparece meuobjetivo: esseconcurso revela uma quadroumtanto desconsolador das habilidades tradutórias que dormitam neste nossopaís. Qual a razão? O fato de qualquerumpoderparticipar, integrando-semuitosdiletantes e calouros? Talvez. Sóque, temo, não foi issoque diminui a afliçãocom o resultado. Pois poderemos primeiramentesuporqueumconto, e fácil, encaminhado a umconcurso, terá sido trabalhado commaiorprimor do queumlivrogrosso traduzido sob a pressão do tempo;que, portanto, noutros casos a (inevitável) displicência resolve o queaquicausa o diletantismo; e, porsegundo, há mesmoeditorasque ajudam para a impressãoainda aos maisdisplicentes.
Emresumo: entreesses 620 manuscritosnão havia umque gostaria de verimpressosemqualquercontrole de umrevisor oxalá entendido; e diversosbeyond repair, o queseusautorescertamente traduziriam comalém da percepção. O júritinhaclareza de queparacadafrase dos premiados haveria sempre alguma frasenosdemaismanuscritosque encontrara uma soluçãomelhor – sóqueentãoemambientequestionável. Da mesmaforma, seria possívelencontrarparacadafrase da pobreversãoimpressa na página 189 outraaindamaispobre; uma abstrusidade umtantodesmedida contém, no entanto, uma originalidadeímpar, e jánão permite integraçãoemqualquercontexto.
1. Pedantismo
Todatradução é interpretação. Pretende reproduzir o que o tradutor entendeu de umtexto, o que pode sermais, pode sermenos, pode seralgobemdistinto daquilo que o autor quis expressar. Ademais, uma frase dificilmente pode sertãosimplesquenão haja possibilidade de traduzi-la de diversas maneiras. O tradutor compara-se a uminstrumentista: comoeste, deve darnovoformato a umobjeto concebido poroutrem, de certaforma existente apenasvirtualmenteparaele. É tolocondenar a “traduçãointerpretativa”, comoconstantemente ocorre. A traduçãonão pode senãoserinterpretação. A questão é apenas se o tradutor interpretou certo – ou ao menos se movimenta num quadroplausível.
Algobemdistinto é, contudo, a traduçãopedante. O translateurquesempre sabe tudomelhor do que o autor, emtodafraseobstinadamente empenhado a se produzir, a quemnãobastatraduzirThe Revenge comA revanche, firmando emvez disso A revanche de umhomemouRevanche petrificada – causadevastaçõesquasemaiores do que o simplesignorante (que, aliás, nãodeixa de ser).
Emmomentodeterminante, Greene compara o desejo da vingançaemseucontocomumser, umanimalsob uma pedra: a creature under a stone. Animal, ser – algoinsuficiente aos pedantes. Seus unidos esforços geram verdadeirozoológico. Suapedracobrevermes, vérmina, rãs, besouros, cobras, víboras, cobras-cegas, sáurios, lagartos, répteis, gusanos, seresanimais, pragas, bicharedo, bestas, demônios e monstros; aparecem besouros pestanejantes, bichos-de-conta à procura da luz, insetosvingativos; sequerfaltaumporquinho-da-índiaconfinado emescuracaixametálica, alimentado comseixo.
Os maisafoitospedantesnão têm pudoremenlaçar verdadeiras frases de produçãoprópria. O leitoratento costuma percebê-las porsuatolice.
2. Censura
Variante do pedantismo é o costume de censurarmoralmente o autor traduzido. A história de Greene poucomotivo ofereceu paratanto; não houve trechosouvocábulosofensivosque pudessem convidar a cortesou amenizações. Nãoobstante: quemtranspassar uma frasecomopoucome interessava o clímax da históriapara o sentidode valoresmoraiseuentãoainda tivera poucacompreensãojá atua comocensormoral. O tradutor deve sabernegarsuas próprias opiniões.
3. Pressa
Traduções, diz-se, sãosempremais compridas. Deve serverdade – de outrolado, sempre se perde algo no caminho. Palavras, orações, frases, parágrafos desaparecem semdeixarvestígios: perdem-se num dos processos de cópia. Pressa transforma o PacíficoemAtlântico, uma história moralista numa muitoimoral.
Ela apresenta resultadosgrotescosquando foge a expressões incompreendidas. Dizia sitting successfullyfor the viva, e como é facilmente verificável porintermédio de umdicionário, não pode significarnadamais do quepassar na provaoral. O apressado, contudo, lê: vivatemvez de viva, e issoleva a traduçõestaiscomo: recebercomsucesso as homenagens rendidas da multidão (falando-se, bementendido, de umhomemque pretende sercônsul); posarcomsucessopara o visto (que, porconseguinte, deve seralgocomoumretrato do detentor do visto); saberexpedirbem os vistos.
4. Ignorância do contexto
A mais empenhada revista de dicionáriosnãodispensa o tradutor da necessidade de acompanhar o raciocínio. Precisaperceberque na história de Green o menino tantas vezes leu o romance “Foe-Farrell” porter cogitado revanche, e não o contrário. Aliás, Fritz Güttinger falaalgosobre a prática da traduçãoliterária, “Zielsprache” [Língua-Alvo], emseu interessante livro.
Porexemplo, lembra quedinner é freqüentementemal traduzido. Significa refeição “principal”. Atémeados do século XIII, eratomada ao meio-dia, ou ao início da tarde. Na segundametade do século XIII, os horários das refeições dos círculosnobres começaram a se deslocargradativamentepara a noite. Quando aparece dinner num textoinglêsmoderno, via de regra, será janta, aindaque na Alemanha seja o almoço a refeiçãoprincipal. E emtextosmaisantigos, apenas o saberá traduzirbemquemobservartodos os indícios da hora do diaque o contextofornecer. “O contexto é elementotãosignificativo da observaçãoquanto a formasonora da palavra... Negligenciar o contextoou, em outras palavras, o credoinsuspeito de que o significado se encontraempalavrasqual o chá na xícara; dinner seria ‘almoço’, independente do contexto do uso da palavra”, seria uma das maisfreqüentesfontes de equívocos.
5. Frasesalada russa
Nemsempre será possívelmanterexatamente as unidades fraseológicas da línguaoriginal. No alemão, a frase fica facilmente confusa emfunção de o verbofreqüentementeficar no final da frase, e emfunção do difícilemprego das tãocômodasorações participiais. Num caso desses, é melhor uma cisãodeterminada do que uma irreparávelconfusãolingüística, queafinalnão houve no original. Devem, porém, ser temidos tradutores que cortam quaisquer longosperíodos, fazendo de todo ligado umstaccatocanino.
6. Ênfasepodre
Há tradutores quenão conseguem traduzirto read a book comolerumlivro. Eles mandam devorarumcartapácio. Cadamuitoviraumdemasiado, ignoram vingançaquandonãogélida, impiedosa, semcompaixão. Generosamente espraiam pontos de exclamaçãotextoafora. Porvezes, doisoutrês seguidos. Afinal poderíamos ter ficado surdocomsuagritaria.
7. Teutonização
Como é sabido, a língua alemã tem uma tendênciapara a formação de substantivosbrutos, pesados, (palavras-centauro, conforme Martin Walser), tendo alguns deles umar de populismonazista. Deveríamos poupar delas o autorestrangeiro. Quando Green diz loyalty, não se refere a devoçãoouresponsabilidadeculposa, e o conflict of loyalty não é luta de credo. Qualquerbaixioque consistiria nalgo comoariscaadmiração érumorejototalmentealheio a Green. Semfalar da estúpidafalta de instintoemtraduzirclímaxcomosoluçãofinal.
8. Estereótiposlingüísticos
Quem adquire seuvernáculoparticularmente de historietas de amor, de preferêncianão deveria partirpara a tradução. Quando o ditocujoescutar a palavravingança, logo associará a combrasaque, porsuavez, arde. Onde dizia sinto uma necessidade de vingança, escreve ardia-me a brasa da vingança(com o resultado de que, na seqüência, o animaldebaixo da pedra setransformará emcinzaquente, emque ficam remexendo).
9. Falta de fantasialingüística
O tradutor deve saberapreciardicionários, e ao mesmotemposaber se lhesimpor. Quem neles se ampararemdemasia, redigirá algumesperanto, masnenhumvernáculo. E o quemesmo fará quando o dicionáriolhefalhar, afinalalgocostumeiro?
Ao final da história aparece, então, a palavraanti-clímax; comoanti-clímax, decepcionantemente diferente do esperado ápice, revela-se o últimoencontro dos velhoscolegas de escola, e a palavraalude ao mesmotempo ao desejo da vingançadramática, (clímax) da literaturajuvenil. O tradutor não teria, pois, quefornecerapenas uma correspondência alemã para o anticlímax, teria aindaqueesclarecer essas relações.A palavra anti-clímax não corresponde a nenhuma dessas finalidades, sendo, ademais, uma falsidade – talqual o anticlímax. Neste casosó serve umrodeio, o que exige a habilidade do usoumtantoflexível da língua. Facilmente acontece o tradutor tomarliberdades desnecessárias: senti-me comoumbalãoque perdeu seugás. Ou é demasiadotímido, gerando palavras malogradas talqualanti-agravamentoounão-ápice. Fantasialingüística: isso significa sabertestar possibilidades, saberbalancear nuanças, arriscardesvios, se bemquecomedidamente e nenhumpassoalém.
10. Discursodireto
Não é fácilacertar o tomexato de umdiálogo De umlado, corremos o risco da artificialidade (ei, vocênãonos ajudara sempre na preparação ao latim?); do outrolado, de uma caricatura da gíria (rapaz, na escolasempre dava umdurão no latim!). Mesmobons tradutores chegam a fracassar do discursodireto. Desafiobemmaisdifícilpara o tradutor ocorre apenas ao lidarcom a tradução de dialetos, slang, argots e quejandos!
11. Imagenstortas
Comicidade involuntária produz commaiorfacilidadeaquele tradutor a quemfalta o faro das imagens e comparações desmesuradas, quenão percebe que o lado figurativo de uma comparação é aqueleque deve determinar a formulação do que segue. Maliciososapelidos, dizia na história, foram-lhe enfiados quenemespinhossob as unhas. Aquinão funciona nemapelidos acertavam-no quenemespinhos (queafinalnãosão projéteis), nemforam entremeados, implantados, envolvidos, enredados oujogados. Resulta sempreemmeracatacrese.
12. Barreiras de importação
Emtextosestrangeirossempre aparecem coisasquenão existem na Alemanha. O quefazer? Primeiramente, devem ser reconhecidos. The head of the house é o maisvelho da casa, o prefeito de uminternatoinglês (representante da turmajá seria demasiadoalemão). Quemnão percebe isso, enfia-se emabstrusosdescaminhos. Pare ele, esseirmãomaisvelho vem a serochefe de família, dono da casa, espíritolíder do lar, proprietário da casa, caseiro. E a seguintevariante permite conclusõessobrerelaçõesfamiliaresincomuns: meupaierachefesupremo; meuirmãomaisvelho, chefe de minhafamília.Atéquem reconhece comcertaprecisão o certo, nemsempre o saberá expor. O cacique é aquitãoinconvenientequanto o policial, o diretor da divisãoescolar, ochefe da casaescolaroumesmo o chefe de grupoe o líder de grupo.
13. Imposição de vícioslingüísticos
Ao estranhoautorgentilmentenão se deveria impor os própriosvícioslingüísticos. Se para a gentetudo tiver umtchãougraça, e se nãosimplesmenteocorrer, masocorrerumtantopeculiarmente, o autor traduzido, nãoobstante, merece misericórdia.
Férias! Últimodia! Deixemos assuntoscabeludospara a próximasemana. Fiquemos com a leveza do ser tradutor! Levezaque paira. Pordefinição. Coisa de segundograu, de física e gravidade. Hoje, de ensinomédio e de gravidez.
Cabeças humanas divagam. Fazem-no desdequesão humanas. (Não: desdeque humanas. Pessoalmente, creio quejá o fizeram antes.) Quandoliterário o tradutor, ou das ciênciassociais, o ofícioreforça o vagar. Afinal, faz diferençadescreverparafusosoufeições e corações.
Comquenãonos alimentam nossosautores: paisagensnaturais, paisagenshumanas, perfiladas ouapenas faciais. A observação de uma flor e seu beijador. O mirar e pensar do cão amigão. As relações humanas e desumanas. Sons e odores, sentimentos e rumores. Jáme envolvi comterrorismo e comunismo; lençóis freáticos, meioambiente; solidariedade e educação. Tutti fruti. Comonãoacompanhar, pensar, sonhar, aprender e crer.
Meuatualautorme ocupa com a questão e gestão da ética. Reconheço na ética a palavra das palavras. Acima de amor e mandamentos. O pico da montanha dos conceitos. Houvesse ética generalizada, não bastaria? Não seria melhor do que o amor ao próximo, mandamentopredileto da infiel? Ou o amor generalizado, não necessariamente ético?
Bem, é o campo dos filósofos. Limitemos as divagações:
Sãocertasorações, certasabordagensqueme vêm à mente nesta ocupaçãooficiosacom a ética. Já ouvi gente rezando porminhasortefinanceira! Fico felizemdeuster a grandezasuficiente de indeferir. Imagine a inflação zimbabuana que daria se atendesse? Bilionário, maispobre seria do que o agora milenário.
Intrigam-me também os doisgoleirosque, prestes ao início do chutebol, ajoelhados, emgestoscruzados, religiosamente imploram seusdeuses, emgeralidênticos, encomendando a sorteparasi, o azarpara o semelhante. Definitivamente! Não têm misericórdia para comseusdeuses.
O humanodesejo daquela horasó pode sermuitodelicado, evidentemente, paranãoconstranger. Algocomo “dai-me minhasforças”! Afinal, é precisoserético.